O Sr. Pequito

A cerâmica em Portugal merecia dezenas de páginas no nosso Livro de Honra. De norte a sul, consoante a tradição, produção e até o clima, o barro era moldado e ornamentado de diferentes formas. Mas, hoje, é da Olaria de Nisa que queremos falar, tomando como anfitrião do ofício o Mestre António Pequito, um homem da terra, com 82 anos que trabalha com o barro há sete décadas. 

 

 

Quando o visitamos na sua olaria, num destes domingos, o sr. Pequito confessou que gostava de poder trocar os dígitos da idade e voltar a ter 28 anos. Mas, acreditem em nós, a sua a vontade de partilhar o que sabe e energia que mostra ao fazer o que gosta faz inveja a muitos quase trintões. 

A verdade é que não tinha qualquer relação com a olaria, quando em 1951, tocou o barro pela primeira vez. 

 

 

Pelo trajeto profissional e pela disponibilidade para partilhar o ofício e o espaço com curiosos foi, desde sempre, uma voz ativa na divulgação da olaria de Nisa.

 

REPORTAGEM - OLARIA DE NISA

 

Explicou-nos que a cerâmica de Nisa é diferente da de todo o país e o mérito é todo da Serra de São Miguel, ali ao lado. A argila que lá se recolhe é excecional no que toca à conservação e refrigeração da água – algo que antigamente era muito importante, aquando das tarefas agrícolas sob o calor alentejano. Também o quartzo é abundante na Serra de São Miguel e, depois de cozido várias vezes, partido e passado pelo crivo, é aplicado na decoração das peças cerâmicas.

 

 

A olaria de Nisa é conhecida pelos desenhos que homenageiam os bordados antigos da região. A ornamentação dos vasos, cantarinhas, moringues, piporros e cantis é feita com uma agulha e depois ganha relevo com a aplicação das pedrinhas brancas de quartzo. A flor é uma das representações mais conhecidas da região. 

Até este momento, já tínhamos compreendido que o Sr. Pequito além de modelador do barro, também sabia desenhar e pedrar as peças. Foi então que compreendemos que o nosso oleiro é perito a atirar o barro à parede. Literalmente! Depois de recolher a argila na Serra de São Miguel, o Sr. Pequito trabalha os lotes como prefere modelar, sendo que parte do processo de secagem do barro exige coloca-lo na parede pintada com cale hidráulico para regular a humidade da matéria prima.

 

 

Todo o processo da Olaria Pequito está incrivelmente documentado na reportagem de arquivo etnográfico, realizada em 1986, que encontramos no Youtube, por generosidade de Manuel Durão. Aqui vemos o nosso anfitrião com utensílios mais antigos, algum cabelo a mais, mas a paixão de sempre.

Na nossa visita, António Pequito recordou os tempos áureos da olaria alentejana, quando além da vertente utilitária e de decoração, os vasos e peças ornamentadas eram sinal de riqueza na sociedade.

 

 

Já em 1976, como mostra a reportagem da RTP, António Pequito era um dos “últimos oleiros de Nisa” e, à data de hoje, apesar dos esforços para formação, continua a ser único na subsistência desta arte.

 

 

O Sr. Pequito dedicou a sua vida à olaria, ao lado da sua mulher Joaquina, que também nos recebeu com um sorriso. Depois de privarmos um bocadinho com a sua generosidade, ficamos muito contentes por ter provas físicas e materiais do seu talento e trabalho de uma vida. Por podermos olhar para peças alaranjadas desenhadas com pedrinhas e lembrarmo-nos do Sr. António. 

Mas, quer-nos parecer que trata as relações humanas com a mesma dedicação e cuidado com que manuseia o barro. Talvez, por isso, o maior legado que nos deixou foi a memória ternurenta da sua partilha e tempo. Como certamente fez, faz e fará com outros que se cruzem no seu caminho. 

 

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