O Avô António

O Projeto Serra é uma celebração das coisas, pessoas e espaços de sempre. A nossa missão tem sido dar eco ao que é simples, mas que é gigante nas nossas vidas. Por isso, hoje inauguramos uma rúbrica mensal no nosso site - nestas páginas vão poder conhecer histórias de pessoas normais que pelo que são e fazem, não têm par. E que valem a pena conhecer. 

Para começar, não podíamos deixar de escolher António Pinto, o nosso avô. Uma figura desconhecida dos demais, mas alguém que nunca esqueceremos. O relato da sua vida confunde-se com a história de Portugal, desde meados da década de 30. Nele encontramos pontos de encontro com outras vidas, mas pela voz dele, sabemos que tem sido uma vida única.

 
 Foi a norte, onde o Douro e o Tâmega se abraçam que nasceu o “bu” António, há mais de 90 anos. A vista espetacular que tinha sobre o vale do rio, não dourava a vida da mãe solteira que o criou sozinha. A mãe Maria de Jesus era um modelo de garra das mulheres – era a padeira responsável pela distribuição do pão. Saía de casa cedo, com a canastra à cabeça e só voltava por volta das 11h. Saía cedo e tinha um grande percurso a fazer, mas não prescindia de deixar um papo seco ao António, que com poucos anos de idade já ficava sozinho em casa

 Com a guerra a deflagrar pela Europa e o estado do nosso país, o avô viu-se obrigado a deixar a escola para ir trabalhar e ajudar a mãe. Considera-se sortudo, porque, ao contrário de muitos que conhecia, sempre foi bem tratado pelo casal de lavradores para quem trabalhava. O salário dava para pouco, mas fazia a diferença na vida dos dois.

Aos 13 anos, com a mãe sem trabalho, vê-se obrigado a largar a terra que o viu nascer e rumar até ao Porto. Trabalhou como lavrador, lavador e ainda engarrafador de Vinho do Porto. Pelo meio, aprendia e teimava. E também fugia, quando a coisa dava para o torto.

 Chega a hora do António ir para a tropa. Na altura, o serviço militar mais do que obrigatório era uma travessia de rapaz para homem. O que estes jovens perdiam em afeto e sensação de lar ganhavam em músculo e resistência. Por sorte, o avô não teve que participar em nenhum conflito transatlântico e as maiores quezílias que viveu na tropa foram por causa do seu bigode. Para o avô, a tropa foi um pretexto para passear e conhecer mais paisagens do nosso país. Primeiro, Vila Real, depois Chaves e, no fim, Aveiro. Será que veio daqui a nossa paixão?

 Cumprido o serviço, o homem enrijecido ganhou finalmente coragem para declarar o seu amor à amiga de infância. Deixou de ser só António para serem os dois um do outro e ambos da vida – António e Aurora! Esta história de amor tem contornos que, nos dias de hoje, nos fazem rir – porque haveria o avô de oferecer um carneiro ao sogro para casar com a filha?

 Deste amor surgiram três filhos – Ilídio, António e Florinda – todos com os nomes dos padrinhos. Da beleza de ver nascer o primeiro filho aos mistérios das brincadeiras de miúdos que continuam por resolver, o avô António recorda com carinho os tempos a cinco lá em casa.

A única coisa que separaria fisicamente António da família seria a própria vontade de independência e de lhes dar uma vida melhor. O avô emigrou, como muitos, na década de 60. Curiosamente, foi para a Alemanha, onde tinha um conhecido que falava italiano e conseguia resolver as coisas para ele. Nos 18 anos que passou por lá, conseguiu comprar uma casa, onde couberam todos os filhos e sonhos. Em 1976 regressa a Portugal e começa uma nova carreira como camionista. Ser camionista é duro, eram poucas as horas de descanso entre paragens e viagens. Prevalece o espírito otimista do avô que olha para esta carreira como algo muito prazeroso, sobretudo para quem gosta de passear, ver novas caras e paisagens. Em 1989, a profissão que o apaixonava acabou por colocá-lo entre a vida e a morte, num acidente aparatoso. Os cuidados médicos e, talvez, o espírito perseverante do avô permitiram-lhe uma rápida recuperação e uma saúde que, mesmo quando abadala, conseguiu persistir. Hoje, tem 91 anos e está melhor que muitos de 40. Infelizmente, a avó Aurora já não bebe com ele a cevada da manhã, nem o vai chamar à garagem para o almoço. No entanto, quando olha para trás e faz o balanço da vida é nela que fala, quando sorri. Lembra-se dos piqueniques que faziam juntos e do que ela cozinhava para comerem.

 

 

Foi bom conversar com o “bu” António e perceber que sente a missão cumprida. Fez o que tinha a fazer e deixou a sua marca em quem mais lhe importava. É um exemplo de perseverança e retidão que vale a pena conhecer. Não valeu?

 

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comentário


  • Como sou apaixonado por pessoas e histórias, é comovente e inspiradora a história do Avô António! Obrigado pela partilha :)

    Rui Francês em

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